Pe. Sebastião Corrêa Neto, pároco da Paróquia São Tiago Maior e Santana, Diocese de Oliveira.
Dar atenção à Palavra é descobri que acolhemos Deus nos pobres.
A parábola que Jesus conta usa de muitas imagens: uma porta que separa mundos, festas, pobreza extrema, abismo, morte e vida. A imagem que mais nos deveria provocar é de um pobre à porta de uma mansão, cheio de feridas lambidas por cachorros. Tudo isso para nos mostrar que a escuta e prática da Palavra nos leva a acolher e criar um mundo novo. Mas afinal, Jesus quer falar de como será o céu? Não! Na verdade quer nos alertar para os abismos que criamos hoje.
A parábola nos chama a atenção para não compactuarmos com uma sociedade que constrói muros de separação. Criamos mundos que segregam e isolam, criamos distâncias, criamos uma bolha e nos colocamos dentro. Essa bolha cega! Só vemos aquilo que queremos ver. Criamos abismos que se tornam eternamente instransponíveis.
Atualizando a parábola, podemos falar de vários mundos distintos. Temos os centros de poder e comunidades periféricas, espaços com grande riqueza e recursos que estão nas mãos de poucos, o mundo do glamour e o mundo dos que dormem nas calçadas, o mundo que esbanja e desperdiça e o mundo que cata as sobras, o mundo dos que vivem seguros e despreocupados e o mundo dos que se sentem ameaçados por uma bala perdida. No caso, o mundo da opulência esbanja boa vida e se fecha para o drama dos pobres.
De um lado desses mundos está Lázaro! Lázaro é aquele que não tem um serviço público de qualidade, aquele que fica na fila de um posto médico sem garantia de que será atendido, é o jovem que não tem educação pública de qualidade, aquele que precisa aceitar um salário indigno para sobreviver, é o refugiado que não encontra asilo… Enfim, Lázaro está aí!
Podemos considerar normal um mundo assim? Será que nossa consciência não está anestesiada? A pobreza está escandalosamente à nossa porta e nos provoca a sairmos de nossa posição cômoda. Ou seja, nos permitir tocar pelo mundo dos pobres é questionar os motivos de existir tal situação. Talvez tenhamos muitas ações que oferecem algum frescor aos pobres, mas que no fundo não promovem o rompimento dos muros que separam. Dom Hélder disse: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista”. Há uma tendência a tratar os pobres de um modo assistencialista sem o compromisso de mudança da lógica predatória da mentalidade de vida em vigor.
Finalmente, o Papa Francisco, na catequese do dia 18 de maio de 2015, comentando essa parábola, nos recorda que “ignorar o pobre é ignorar Deus”. E também que a “a misericórdia de Deus para conosco é proporcional à nossa misericórdia para com o próximo”. E nossas comunidades cristãs, como estão dentro desse mundo de abismos? Como estão diante dos Lázaros de hoje?