Festa de Assunção de Nossa Senhora – 20º Domingo do Tempo Comum – Lc 1,39-56 – Ano C – 18-08-19

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Padre Adroaldo Palaoro

Assunção: vida plena antecipada

“Então Maria se levantou e se dirigiu apressadamente à serra, a um povoado da Judéia” (Lc1,39)

O mistério da Assunção desperta imagens de movimento, de atração para cima, de impulso ascensional; nosso olhar é atraído para a altura e vemos a Maria elevada para a plenitude que chamamos “céu”.

Ao falar da Assunção nos referimos ao cume do processo vital de Maria, o resultado final da obra que Deus realizou naquela que não colocou nenhuma resistência à sua ação: “Faça-se em mim…”.

A proclamação do dogma da Assunção foi uma maneira de revelar que a salvação de Maria foi absoluta e total, ou seja, que alcançou sua plenitude. Essa plenitude só pode consistir em uma unificação e identificação absoluta com Deus. Maria foi “aspirada” para “dentro” de Deus.

Ela terminou o ciclo de seu processo de maturação terrena e chegou à sua plenitude, através do processo interno de identificação com Deus. Mas, ao “ser assunta ao céu”, Maria não se afastou de sua condição de mulher do povo, pobre e despojada.

Nessa identificação com Deus não cabe mais nada. Chegou ao limite de suas possibilidades. Porque “assumiu” Deus em sua vida, Maria foi “assumida” totalmente por Deus; ela deixou Deus ser grande na sua vida; por isso, Deus a engrandeceu plenamente.

Sabemos que, para chegar à Assunção, Maria viveu um longo caminho de descentramento, de “saída de si”, de esvaziamento, para que Deus “realizasse maravilhas nela”. Maria foi “assunta ao céu” porque “desceu” em direção aos outros, revelando-se como a “mulher do serviço solidário”.

O evangelho deste domingo nos apresenta Maria “caminhando depressa”, desde Nazaré da Galiléia até às montanhas da Judéia, para chegar à casa de sua prima Isabel; naquela primeira “meta” de sua corrida, recebeu dos lábios de Isabel a primeira bem-aventurança: “Feliz és tu que acreditaste…” Esta expressão foi a antecipação da felicitação que Maria vai receber no final definitivo de sua trajetória. Toda a vida de Maria consistiu em dirigir-se apaixonadamente para essa meta definitiva, profundamente associada à vida e missão do seu próprio Filho.

“Maria, a mãe que cuidou de Jesus, agora cuida com carinho e preocupação materna deste mundo ferido. Assim como chorou com o coração trespassado a morte de Jesus, assim também agora Se compadece do sofrimento dos pobres crucificados e das criaturas deste mundo exterminadas pelo poder humano. Ela vive, com Jesus, completamente transfigurada, e todas as criaturas cantam a sua beleza. É a Mulher «vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e com uma coroa de doze estrelas na cabeça» (Ap12, 1). Elevada ao céu, é Mãe e Rainha de toda a criação. No seu corpo glorificado, juntamente com Cristo ressuscitado, parte da criação alcançou toda a plenitude da sua beleza. Maria não só conserva no seu coração toda a vida de Jesus, que «guardava» cuidadosamente (cf.Lc2, 51), mas agora compreende também o sentido de todas as coisas. Por isso, podemos pedir-Lhe que nos ajude a contemplar este mundo com um olhar mais sapiente” (Laudatosii 241)

Estas palavras do Papa Francisco nos situam frente ao mistério da Assunção da Virgem Maria aos céus. Maria revela, à Igreja e à humanidade, o final da vida do ser humano, o sentido da peregrinação desta vida, os motivos de esperança. Em um mundo que bloqueia cada dia mais o horizonte de sua transcendência, em um mundo onde cada dia se faz mais asfixiante o clima do sem sentido e a falta de esperança, em um mundo onde cada dia temos mais motivos para o pessimismo…, este mistério da Assunção de Maria nos abre a uma dimensão mais profunda da vida, ou seja, nos capacita a perceber um novo sentido sobre a nossa peregrinação terrestre. Trata-se de um convite a uma certeza e a uma visão mais otimista sobre a humanidade e seu futuro.

Este Mistério nos recorda que o verdadeiro ser humano ainda não está em casa. Estamos todos a caminho. A luz do mais além ilumina nossa atualidade; a certeza de futuro dá sentido e consistência ao presente.

Esta plenitude à qual chegou Maria, nos abre a esperança de seguir seus passos. E os passos de Maria são os passos da Visitação, daquela que faz de sua vida um serviço por pura gratuidade.

O texto de Lucas sobre a Visitação está carregado de símbolos. A primeira palavra em grego é “anastasa”, que significa “levantar-se”, “surgir”, e que na tradução oficial passou por alto. É o verbo que o mesmo Lucas emprega para indicar a ressurreição. Significa que Maria ressuscita a uma nova vida, e sobe à “montanha”, o espaço do divino. Maria foi “assunta” porque “subiu” em direção ao serviço.

A visita de Maria à sua prima simboliza a visita de Deus a Israel. A subida da Galiléia à Judéia nos está adiantando a trajetória da vida pública de Jesus. O “Emanuel” se manifesta no sinal mais simples, uma visita. Tudo acontece fora da esfera da religião oficial. A partir de agora, devemos encontrar a Deus no cotidiano das casas, onde se desenvolve a vida. Jesus, já desde o ventre de sua mãe, começa sua missão de levar aos outros a salvação e a alegria.

Todos sabemos que quando os seres humanos se encontram, acontece uma mudança, uma transformação. Lucas nos recorda isso tantas vezes em seu Evangelho, sobretudo no relato do ícone da Visitação.

Maria se faz caminho para visitar a sua prima Isabel e revelar o verdadeiro sentido do encontro.

O encontro muda nossa vida. Além disso, um encontro não vem sozinho: tem o efeito cascata, pois nos move a fazer o estupendo percurso que nos leva do “eu” ao “tu” esvaziando-nos de toda auto-referencialidade, que é o real impedimento do autêntico do encontro; assim, chegamos ao fecundo “nós”, criando uma rede de solidariedade.

Em todo encontro revelamos nossa verdadeira identidade; nele, nos reconhecemos diferentes, e a diversi-dade nos enriquece. Isso ocorre, sobretudo, quando do encontro passamos à convivência, à companhia, à colaboração e à corresponsabilidade.

A “cultura do encontro” é nossa maneira de ser e fazer Igreja, de construir a comunhão, de visibilizar a caridade, de exercer a misericórdia.

Trata-se de caminhar para um novo paradigma, que nos leve da acolhida ao encontro, do encontro ao cuidado. Esta nova sensibilidade nos abre à acolhida da vida descartada, excluída, enferma e muitas vezes fracassada, para ser lugar e espaço de humanização.

Nos encontros, a vida de cada pessoa é ativada, enriquecida, potencializada. Quem se experimenta a si mesmo como “vida” é já uma pessoa “assunta ao céu”. A Vida definitiva já está “pairando” sobre nossa vida. Por isso, Assunção é vida plena antecipada, é um contínuo renascer, uma nova criação.

Vivemos já a Assunção quando não nos deixamos determinar por uma vida estreita e atrofiada, presa pelos apegos… Somos “assuntos” quando sonhamos, buscamos e ativamos todos os dinamismos humanos de crescimento e de expansão em direção aos outros. Nós nos “elevamos” quando “descemos” em direção à humanidade ferida e excluída. O “subir” até Deus passa pelo “descer” até às profundezas da realidade pessoal e social, sendo presença servidora.

“Viver a assunção” implica esvaziar-nos do “ego”, para deixar transparecer o que há de mais divino em nós. Não há maior glorificação. Este esvaziamento não implica a nossa anulação enquanto “pessoa”, mas nossa potenciação. Na medida que os aspectos que a limitam diminuem, aumenta o que há de plenitude.

Com razão, viu S. Inácio no “sair do próprio amor, querer e interesse” o termômetro de toda vida espiritual, a chave de toda existência que queira deixar transparecer o ser e o agir de Deus em nós.

O “sair do próprio amor” significa que o centro da vida seja ocupado não pelo ego com suas velhas pulsões de cobiça, honra vã e soberba, mas por Deus. Significa que, a partir desse lugar de adoração e de encontro, nosso eu se abra às preferências de Deus, deixando “Deus ser Deus” em nossa interioridade.

Assim, na nossa peregrinação, já temos o privilégio de “saborear” antecipadamente o dom da Assunção.

Texto bíblico: Lc. 1,39-56

Na oração: Contra uma concepção cada vez mais “econômica” do mundo, contra o triunfo do possuir, do ter,

do prestígio, o Magnificat exalta a alegria do partilhar, do perder para encontrar, do acolher, do admirar, da felicidade da gratuidade, da contemplação, da doação…

O ser humano, e todo o seu ser, transforma-se então em louvor a Deus. Nenhum outro texto nos revela de maneira tão densa e tão profunda a vida interior de Maria, os pensamentos e os sentimentos que invadem sua alma, a consciência de sua missão, sua fé e sua esperança, sua experiência de Deus, enfim.

Rezar as “marcas salvíficas” de Deus na sua história pessoal; quê maravilhas o Senhor tem feito em sua vida?

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José Antônio Pagola

Traços característicos de Maria

A visita de Maria a Isabel permite ao evangelista Lucas pôr em contato o Batista e Jesus, antes mesmo de nascer. A cena está carregada de uma atmosfera muito especial. As duas mulheres vão ser mães. As duas foram chamadas a colaborar no plano de Deus. Não há varões. Zacarias ficou mudo. José está surpreendentemente ausente.

As duas mulheres ocupam toda a cena, Maria que veio apressadamente de Nazaré, transforma-se na figura central. Tudo gira em torno dela e seu filho. Sua imagem brilha com certos traços mais genuínos do que muitos outros que lhe foram acrescentados ao longo dos séculos a partir da invocação e títulos alheios aos evangelhos.

Maria, “a mãe de meu senhor”. Assim o proclama Isabel em alta voz e cheia do Espírito Santo. Isto é certo: para os seguidores de Jesus, Maria é, antes de tudo, a mãe do nosso Senhor. Daí parte sua grandeza. Os primeiros cristãos nunca separam Maria de Jesus. Eles são inseparáveis: “Bendita por Deus entre todas as mulheres”, ela nos oferece Jesus, “fruto Bendito de seu ventre.”

Maria, a crente. Isabel proclama Maria feliz porque ela “acreditou.” Maria é grande não simplesmente por sua maternidade biológica, mas por ter acolhido com fé o chamado de Deus para ser mãe do Salvador. Ela soube ouvir a Deus; guardou sua Palavra dentro de seu coração; meditou-a; a pôs em prática cumprindo fielmente sua vocação. Maria é mãe crente.

Maria, a evangelizadora. Maria oferece a todos a salvação de Deus, que ela acolheu em seu próprio Filho. Essa é sua grande missão e seu serviço. De acordo com o relato, Maria evangeliza não só com seus gestos e palavras, mas porque traz consigo, para onde vai a pessoa de Jesus e seu Espírito. Isto é o essencial do ato evangelizador.

Maria, portadora de alegria. A saudação de Maria comunica a alegria que brota de seu filho Jesus. Ela foi a primeira a ouvir o convite de Deus: “Alegra-te, o Senhor está contigo.”. Agora, a partir de uma atitude de serviço e de ajuda a quem precisa. Maria irradia a boa notícia de Jesus, o Cristo, que ela sempre traz consigo. Ela é para a igreja o melhor modelo de uma evangelização prazerosa

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Frei Carlos Mesters
Mercedes Lopes

A visita de Maria a Isabel – Alegria no Espírito!

  1. O ASSUNTO DA VIDA: PARA COMEÇO DE CONVERSA

O texto de hoje nos fala da visita de Maria a sua prima Isabel. As duas eram conhecidas uma da outra. E, no entanto, neste encontro elas descobrem, uma na outra, o mistério que ainda não conheciam e que as encheu de muita alegria. Hoje também encontramos pessoas que nos surpreendem com a sabedoria que possuem e com o testemunho de fé que nos dão.

  1. CHAVE DE LEITURA

Na leitura que vamos refletir, sobretudo no Cântico de Maria, percebemos que ela descobriu o mistério de Deus não só na pessoa de Isabel, mas também na história do seu povo. Durante a reflexão vamos prestar atenção no seguinte: ”Com que palavras e comparações Maria expressou a descoberta de que Deus está presente em sua vida e na vida do seu povo?”

  1. SITUANDO

Quando Lucas fala de Maria, ele pensa nas comunidades do seu tempo que viviam espalhadas pelas cidades do império romano. Maria é, para ele, o modelo da comunidade fiel. Descrevendo a visita de Maria a Isabel, ele ensina como aquelas comunidades devem fazer para transformar a visita de Deus em serviço aos irmãos e irmãs.

O episódio da visita de Maria a Isabel mostra ainda outro aspecto bem próprio de Lucas. Todas as palavras e atitudes, sobretudo o Cântico de Maria, formam uma grande celebração de louvor. Parece a descrição de uma solene liturgia. Assim, Lucas evoca o ambiente litúrgico e celebrativo, em que as comunidades devem viver a sua fé.

COMENTANDO

  1. Lucas 1,39-40: Maria sai para visitar Isabel

Lucas acentua a prontidão de Maria em atender as exigências da Palavra de Deus. O anjo lhe falou da gravidez de Isabel e, imediatamente, Maria se levanta para verificar o que o anjo lhe tinha anunciado, e sai de casa para ir ajudar a uma pessoa necessitada. De Nazaré até as montanhas de Judá são mais de 100 quilômetros! Não havia ônibus nem trem.

  1. Lucas 1,41-44: Saudação de Isabel

Isabel representa o Antigo Testamento que termina. Maria, o Novo que começa. O AT acolhe o NT com gratidão e confiança, reconhecendo nele o dom gratuito de Deus que vem realizar e completar toda a expectativa do povo. No encontro entre as duas mulheres manifesta-se o dom do Espírito que faz a criança estremecer de alegria no seio de Isabel. A Boa Nova de Deus revela a sua presença numa das coisas mais comuns da vida humana: duas donas de casa se visitando para se ajudar. Visita, alegria, gravidez, criança, ajuda mútua, casa, família: É nisto que Lucas quer que as comunidades (e nós todos) percebamos e descubramos a presença do Reino. As palavras de Isabel, até hoje, fazem parte do salmo mais conhecido e mais rezado da América Latina, que é a Ave Maria.

  1. Lucas 1,45: O elogio que Isabel faz a Maria

“Feliz aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor vai acontecer”. É o recado de Lucas às comunidades: crer na Palavra de Deus, pois ela tem força para realizar aquilo que nos diz. É Palavra criadora. Gera vida nova no seio de uma virgem, o seio do povo pobre e abandonado que a acolhe com fé.

  1. Lucas 1,46-56: O Cântico de Maria

Muito provavelmente, este cântico já era conhecido e cantado nas comunidades. Ele ensina como se deve orar e cantar.

Lucas 1,46-50

Maria começa proclamando a mudança que aconteceu na sua própria vida sob o olhar amoroso de Deus, cheio de misericórdia. Por isso, ela canta feliz: “Exulto de alegria em Deus, meu Salvador”.

Lucas 1,51-53

Em seguida, canta a fidelidade de Javé para com seu povo e proclama a mudança que o braço de Javé estava realizando a favor dos pobres e famintos. A expressão “braço de Deus” lembra a libertação do Êxodo. É esta força salvadora de Javé que faz acontecer a mudança: dispersa os orgulhosos (1,51), destrona os poderosos e eleva os humildes (1,52), manda os ricos embora sem nada e aos famintos enche de bens (1,53).

Lucas 1,54-55

No fim, ela lembra que tudo isto é expressão da misericórdia de Deus para com o seu povo e expressão de sua fidelidade às promessas feitas a Abraão. A Boa Nova veio não como recompensa pela observância da Lei, mas como expressão da bondade e da fidelidade de Deus às promessas. É o que Paulo ensinava nas cartas aos Gálatas e aos Romanos.

  1. ALARGANDO

O Segundo Livro de Samuel conta a história da Arca da Aliança. Davi quis colocá-la em sua casa, mas ficou com medo e disse: “Como virá a Arca de Javé para ficar na minha casa?” (2 Samuel 6,9) Davi mandou que a Arca fosse para a casa de Obed-Edom. “E a Arca de Javé ficou três meses na casa de Obed-Edom, e Javé abençoou a Obed-Edom e a toda a sua família” (2 Samuel 6,11). Maria, grávida de Jesus, é como a Arca da Aliança que, no AT, visitava as casas das pessoas trazendo benefícios. Ela vai para a casa de Isabel e fica lá três meses. E enquanto está na casa de Isabel, ela e toda a sua família são abençoadas por Deus. A comunidade deve ser como a Nova Aliança. Visitando a casa das pessoas, deve trazer benefícios e graça de Deus para o povo.

A atitude de Maria frente à Palavra expressa o ideal que Lucas quer comunicar às comunidades: não fechar-se sobre si mesmas, mas sair de si, sair de casa, e estar atentas às necessidades bem concretas das pessoas e procurar ajuda na medida das necessidades.

Texto extraído do livro O AVESSO É O LADO CERTO. Círculos Bíblicos sobre o Evangelho de Lucas de autoria de Carlos Mesters e Mercedes Lopes.

 

 

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