
A palavra Babel significa confundir. Analisando detalhadamente o texto de Gênesis 11, 1-9 encontramos não apenas uma torre, mas quatro torres em Babel, a saber, a torre econômica, a torre da política, a torre social e a torre da ideologia.
No artigo anterior conhecemos alguns aspectos da primeira torre e agora vamos observar a natureza das outras três.
A torre da política funciona mais ou menos assim: quem tem mais pode mais, quem tem pouco ou nada fica fora da jogada. É, muitas vezes, o poder a serviço do ter. E aqui começa a construção da segunda torre da cidade de Babel. Os que possuem bastante e querem possuir ainda mais tratam de defender os seus interesses que é ter sempre mais. Ter é poder, e poder é uma sensação indizível de controlar tudo. Maquiavel já alertava que o poder, muitas vezes, corrompe e que o poder absoluto corrompe absolutamente. É ser deus sem ser Deus, ou pode até confundir tudo, e pensar que se é o próprio Deus. Porque o poder é a possibilidade de dispor de tudo e todos como se as pessoas fossem coisas sem destino e sem vontade própria. Uma embriaguez sem fim.
Pretendendo organizar o conflito de interesses, a função política acaba, muitas vezes, tornando-se o poder que delimita a esfera pessoal de cada um. Não é preciso conhecer o nome de todos para dominá-los, basta que se estabeleça a função de cada um e o limite do seu papel social, na medida de sua possibilidade aquisitiva, e o resto se faz por si só. O sistema de exclusão se auto protege.
A torre social parte da premissa de que asociedade se organiza segundo um princípio muito simples: quem tem mais vale mais e quem tem mais poder tem mais privilégios.As classes sociais acabam criando castas e dificultando a cultura do encontro e do diálogo entre as diferentes classes. Aqui merece uma intervenção de Patativa de Assaré que se referiu às classes sociais classificando-as em céu (classe rica), purgatório (classe média) e inferno (pobres).
Na torre social as paredes são íngremes e no topo o espaço é pequeno. Os que não estão lá só lhes resta tentar em vão à vida inteira subir pelas paredes escorregadias, condenados a realizar o mito de Sísifo, sem jamais alcançar resultado algum.
A torre social é feita de pessoas, umas sobre as outras. Na torre social há muita surpresa, nem sempre agradável. Sua base é movediça. É construída sobre a areia.
A torre da ideologia nos faz voltar aos judaítas que identificaram esse texto com Babilônia e o seu Zigurate, a torre sagrada. Fazendo isso, eles nos deram preciosa identificação: a torre da ideologia pode ser a torre da religião, ou, se quisermos, as igrejas e templos que, de um lado, pretendem comunicar a vontade de Deus, mas, de outro, podem estar simplesmente falando a linguagem única da cidade, cimentando os projetos puramente humanos com sua suposta vontade divina.
Mas a torre da ideologia pode ser também as torres da informação e da comunicação, quando estas procuram “vender” uma única ideia, um pensamento único sobre a cidade de Babel. E de roldão, vai o resto, uma economia tendo o lucro como seu fim único, uma política que busque somente o poder e o arranjo social excludente e as sofisticadas tecnologias que primam pela eficiência.
Religião e comunicação unidas podem fazer o milagre da fala única da cidade de Babel. Elas podem levar o mundo todo a pensar e a agir da mesma forma e, sem discutir, construir juntas a torre da cidade, a pretensão de onipotência que sobe ao céu, servindo a alguns, os que estão no topo da parede íngreme e, servindo-se de todos os outros com a maior lisura aparente.
O projeto de construírem as Torres de Babel é um projeto internacional. A torre tem a pretensão de hegemonia absoluta na economia, na política, na forma social e na ideologia sobre o mundo inteiro. E quando isso se torna religioso, quando adquire um caráter sagrado, ninguém pode desmontá-lo. E a coisa torna-se complicada mesmo. Não dá para repetir a ingenuidade de Dom Quixote que pretendia vencer os moinhos de vento com uma espada e um cavalo.
Felizmente o texto não termina aqui. Temos os versículos 5-9 que trazem uma resposta. Resposta de Deus, captada pelos camponeses em luta contra a hegemonia da cidade que lhes roubava os produtos, o trabalho, o sangue e a vida. Deus não se deixa enganar com o projeto das torres e desce para verificar de perto o que se passa dentro delas.